AS FÚRIAS ou de como o pai venceu a mãe

SOBRE O ESPETÁCULO

Os dois temas recorrentes nesta Companhia, a ESCOLA DE MULHERES e da sua Directora Artística são desde o seu início a Mulher e a Tragédia Antiga. Iniciámos o círculo com As Bacantes, Medeia e Hécuba de Eurípides, revisitámos os mitos trágicos através de textos contemporâneos com Crisótemis de Yannis Ritsos, Medeia é Bom Rapaz de Luis Riaza, Danças a Um Deus Pagão de Brian Friel, Uma Boca Cheia de Pássaros de Caryl Churchill, Agamémnon ou o Crime de Marguerite Yourcenar/Yannis Ritsos. Em As Fúrias ou de Como o Pai Venceu a Mãe a partir de As Euménides de Ésquilo, o primeiro dramaturgo do mundo ocidental, vamos recriar o primeiro tribunal instituído em Atenas, ou uma metáfora que, quanto a nós, simboliza a luta entre o direito maternal e paternal; entre o direito antigo e moderno e que culmina no momento em que a Mulher perde todos os seus Direitos a favor de uma sociedade patriarcal. Enquanto as antigas deusas conservavam o seu poder, o assassinato da mãe era o maior crime. Quando as deusas da Noite, as Erínias ou Fúrias, criadas pela mais antiga deusa, a Mãe-Terra, para punir os crimes, manter a vingança popular e os costumes antigos, perdem os seus poderes para os novos deuses do Olimpo, a Mãe/Mulher não teve, nunca mais, quem a protegesse entre os homens e os deuses. As Erínias domesticadas pelos novos deuses tornaram-se Euménides e o seu papel findou no momento em que a Mulher descia do plano superior que ocupava.

“Nesta tragédia de Ésquilo são deduzidos os argumentos de defesa e condenação, sendo que os de Apolo assentam no elogio do tríptico esposo/rei/masculino em detrimento do arcaico esposa/rainha/feminino, defendendo a superioridade do elo matrimonial face ao do relacionamento por sangue, a primazia do pai sobre a mãe, dominando toda a concepção do matriarcado através da redução aristotélica à estrita associação uterina (desprovida desta funcionalidade biológica, a própria figura maternal seria dispensável). Palas Atena decide em favor de Orestes, agindo como traidora ancestral do movimento feminista. Decorrem então os dois eventos concludentes da peça: as Eríneas ou Fúrias, após urdirem as suas derradeiras ameaças, acabam persuadidas pela deusa e rendem-se.
A Oresteia é vista por muitos como um paradigma da tradição misógina que perpassa o pensamento grego, projectando as inter-relações do binómio masculino-feminino para a organização social, dramatizando-se a resistência feminina padecendo de um complexo de Amazona.

Atena criaria lei – não Justiça. Doravante os julgamentos judiciais operarão de acordo com a persuasão pelos argumentos e pela razão em benefício da ordem pública, ao invés de pelo inflamar das paixões privadas. É, aliás, através desta persuasão racionalizada que as Eríneas, entidades do foro privado, se transformarão nas Euménides do foro público, sendo que as suas demandas de Justiça encontrar-se-ão sistematizadas de acordo com princípios de racionalidade e passarão a ser uma das fundações da nova ordem política, um processo metamorfoseado através da linguagem.”

A Mitologia, é a primeira antologia de histórias maravilhosas – certamente, a tentativa dos antigos explicarem a génese da humanidade, e as transformações sociais que esta foi sofrendo. O Teatro, e neste caso, a Tragédia, servia-se dela para educar o povo e quem conta um conto acrescenta um ponto! É o que vamos fazer neste espectáculo com a ajuda do público. Será ele, revestido pelo poder do deus do Teatro, quem irá votar: em seu poder estarão dois boletins de voto, um azul e outro cor-de-rosa como manda a lei… Quando for convidado a depositar o voto nas urnas, quem for a favor da absolvição coloca o azul, quem for pela condenação coloca o cor-de-rosa.
Obrigada por participarem connosco nesta recriação.

Fernanda Lapa


FICHA TÉCNICA E ARTÍSTICA

texto a partir de As Euménides de ÉSQUILO | dramaturgia, encenação e figurinos FERNANDA LAPA | interpretação SARA TÚBIO COSTA (Pitonisa; Clitemnestra e Atena), MARTA LAPA, MARIA ANA FILIPE e JOANA CASTRO (Fúrias), FRANCISCO CÔRTE-REAL (Apolo), RODRIGO TOMÁS (Orestes)

apoio ao movimento e assistência de encenação NICOLAU ANTUNES | adereços e máscaras CARLOS MATOS | desenho de luz PAULO SANTOS | fotografia MARGARIDA DIAS | operação técnica RICARDO BRITO DINIZ | apoio a adereços MARINEL MATOS | grafismo MANUELA JORGE | direção de produção RUY MALHEIRO

agradecimentos CRISTINA VAZ ALMEIDA, GONÇALO CAEIRO, HENRIQUE FEIST, MANUEL CARDINHA, MANUEL RUSSO e RUI FALÉ

61ª produção Escola de Mulheres
M/16

ESTREIA 5 de janeiro 2017
TEMPORADA 5 a 29 de janeiro 2017
espaço Escola de Mulheres (Clube Estefânia)


@Margarida Dias 2017