Da Voz Humana (2012)

Da Voz Humana

O conceito releva-se de uma circunstância particularmente feliz no contexto da produção literária em Portugal: como possivelmente em nenhuma das décadas precedentes, existe atualmente um leque de poetas, narradores e mesmo de autores de textos dramáticos que se caracteriza pela enorme quantidade, fundamentalmente pela sua reconhecida qualidade e especificamente pela diversidade de vozes autorais, de uma riqueza e diversidade que deve ser (re)conhecida.

Para a Escola de Mulheres — Oficina de Teatro este novo quadro da produção literária em Portugal é ainda mais relevante e pertinente por se verificar a existência de uma grande proporção de autoras que esta Companhia, considerando as suas linhas programáticas, sempre procurou divulgar e estimular.

SESSÃO 1 – BEATRIZ HIERRO LOPES
A escrita de Beatriz Hierro Lopes (1985) nasce a partir do exercício permanente da memória e da consciência aguda da perda. A infância e os seus territórios adquirem o valor do tempo e do lugar onde o mundo se concretizou. A relação com o presente, a efemeridade e a vanidade dos dias que não possuem um espesso lastro de história emocional, conduz a um violento olhar, entre a ironia sarcástica e a elegia de um tempo perdido. O presente adquire, desta forma, uma configuração de antecâmara do que perece, da mortalidade como última redenção. Não há concessões quando a autora procura as marcas possíveis de alteridade que resgatem o quotidiano da morte. É neste rasgão, aberto entre a memória e o presente, que a autora vai encontrando (agarrando) todos os pequenos sinais de salvação numa espécie de caçada, armada com um olhar eminentemente poético: uma conquista travada entre a gargalhada quase infantil e a lucidez da resignação; uma arqueologia íntima transformada em história do mundo.
Beatriz Hierro Lopes tem trabalhos seus publicados em diversas revistas literárias («criatura», «Cràse», «Inútil», «a sul de nenhum norte», «Telhados de Vidro»).

SESSÃO 2 – CATARINA NUNES DE ALMEIDA
Catarina Nunes de Almeida (1982) nasceu em Lisboa, a poucos passos do castelo. Em 2005, começa a publicar poemas em revistas literárias portuguesas e estrangeiras e a participar em diversos encontros internacionais de poesia. Licencia-se em Língua e Cultura Portuguesa na Faculdade de Letras de Lisboa e, entre 2007 e 2009, ensina Língua Portuguesa na Universidade de Pisa, organizando simultaneamente atividades culturais no âmbito da literatura.
Concluiu em 2012, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, uma Tese de Doutoramento intitulada «Migração Silenciosa – Marcas do Pensamento Estético do Extremo Oriente na Poesia Portuguesa Contemporânea».
Com Prefloração (Quasi, 2006) Catarina Nunes de Almeida recebe o “Prémio de Poesia Daniel Faria “e o “Prémio do PEN Clube Português” para a Primeira Obra.
A Metamorfose das Plantas dos Pés (Deriva, 2008), o seu segundo livro de poesia, publicado em 2008 em Portugal e Itália, revela uma poesia caleidoscópica onde se conjugam o mar, as montanhas, as nuvens de onde vemos a terra e os homens que a habitam e sempre as árvores e os ramos como se cada um de nós pretendesse fazer parte e as disputássemos por um lugar exequível.
A este livro sucedeu-se “Bailias” (Deriva, 2010), livro onde recria as cantigas medievais de amigo e de amor. Dessa ligação fez nascer íntimos catálogos de pássaros, árvores e frutos, novos espaços de idioma, pelejas, sínteses e fábulas.
A ligação da mulher (do feminino) à natureza, uma ligação que se diria panteísta, da qual fez nascer íntimos espaços de festa e fulgor, experiência solar e corpórea da existência, em jogos de sentido que revelam uma escrita original e com uma voz poética de formalização apenas aparentemente simples: na verdade, há todo um jogo de domínio da linguagem poética superiormente dominado, muitas vezes recorrendo à ironia ou a uma dimensão dramática deliberadamente contida.

SESSÃO 3 – MARIA SOUSA
Uma duríssima luta contra a ausência, revelada no silêncio, na impossibilidade de dizer; a tremenda prova dessa ausência nos lugares habitáveis, no quotidiano — a casa, a cama, o corpo, a voz — lides íntimas que se travam apelando à memória, inevitavelmente sem resposta, que esta se esconde num esquecimento tornado apaziguador, resgatado pela possibilidade de uma sílaba, da palavra escrita; trabalho de equilíbrio do sentimento de si travado no fio de um arame. Na poesia de Maria Sousa o eu é um outro (uma outra), à procura do retorno ao eu outro. Poemas onde se experimenta um incessante labor de resgate, ainda que, para tal, se organize, sem concessões, no largo tempo espectral da noite, um movimento incessante de contenção. É como engolir um grito. Por Manuel Margarido
Maria Sousa publicou em 2010 o seu primeiro livro “Exercícios para endurecimento de lágrimas” (“Língua Morta”); participou em várias revistas literárias (Criatura, Sítio, Saudade, e Umbigo) e num Seminário de tradução literária organizado pela L.A.F. (Literature Across Frontiers). Coeditora da revista digital “a sul de nenhum norte”. Nas horas vagas é professora.

SESSÃO 4 – MIGUEL-MANSO
O ERRO TAMBÉM TEM QUALIDADES EXPRESSIVAS
Miguel de Oliveira Nogueira Manso, o nome completo. Nascido em Santarém, em Setembro de 79. Trinta e um anos vividos entre Almeirim, a Várzea dos Cavaleiros e Lisboa. Dos 0 ao 6 lembra-se de quase tudo. Foi a época Clássica, a das medidas perfeitas, da luz exata, da genuína sapiência. A escola veio fazer com que perdesse pouco a pouco a embocadura da beleza, enredando-o na humilhação, na violência e na mediocridade. Acordou-o para a fealdade geral. Perdido o original infantil, tenta daí para a frente a cópia pobre do que extinguiu. Cansa-se, nas repartições da adolescência, de esperar o visto para a região da serenidade intelectual e emotiva. Cumpre de maneira sofrida a interminável Idade Média escolar obrigatória. Sem sucessos ou contentamentos. Livre das ocupações académicas expressa nenhuma ambição universitária. Orgulha-se. Ensaia os mais variados trabalhos mas nunca um emprego fixo. Descobre o amor e o desamor nos intervalos da timidez social. Lisboa é até hoje o seu lugar de exílio. E já não pensa no exílio do exílio, embora aspire a outras digressões. Vive o seu pequeno Renascimento privado, já sem as inibições adolescentes. Aos 28 anos descobriu, do nada, um suporte que lhe assegurasse as pretensões autorais. No desenho e na pintura tinha tido um vago talento que sempre o impediu de qualquer materialização artística a que pudesse aspirar. À escrita, pelo contrário, dirigiu-se sem talento, assunto, artifícios, cunhas, preconceitos, e foi encontrar nela a concessão para construir o seu edifício modelar. Posto isto, houve que bulir desde o início e em todas as frentes do saber escrever. A Obra, sim, mas sempre sob a égide da construção civil. Da ortografia às noções básicas de composição, tudo teve, e tem ainda, de ser lavrado. Começa sempre por escrever mal e depois emenda apaixonadamente, até conseguir aproximar-se de um ponto comunicável. A forma (a fórmula), uma qualquer desde que funcione, foi, a partir do momento que a encontrou, a solução para os livros. Para de seguida subverter as próprias convicções, forçar e expandir limites, confiar que o erro também tem qualidades expressivas. Uma alquimia solitária, egoísta, por vezes insufladora do ego e da vaidade, mas em geral muito acima disso. Um trabalho discreto para uma minoria ainda menor que a suposta. Em concreto, não escreve livros, escreve o Livro: os Carimbos de Gent são uma aproximação iniciática a uma ideia de inutilidade suprema, anterior. Partindo não de ideias vagas, mas das coisas do mundo, das quais é um coador aturado. Não lhe interessa para si a profundidade ou a especialização temáticas, basta-lhe saquear a profundidade e a especialização alheias, em proveito próprio. Aspira à cátedra corsária (longos anos de alto mar) e aguarda com interesse e expectativa a Decadência que supõe que virá. [Miguel-Manso nasceu em Santarém em 1979. Vive em Lisboa.]

SESSÃO 5 – RUI ALMEIDA
As duas últimas décadas do século passado vieram questionar as formalizações poéticas que, até aos anos setenta, se erigiam como dispositivos de alimentar ideologias, por um lado; como exercícios de malabarismos sintáticos, maneirismos semânticos a exigirem dicionários de envergadura, por outro. Muita da melhor poesia produzida, desde então, em Portugal, deslocou-se determinadamente para territórios de outra ordem expressiva. O quotidiano como referente, as relações possíveis entre este, o corpo, os dias, a espiritualidade embebida da poesia que a vida convoca, o próprio poema como questionamento permanente. A individuação e fragmentação das vozes poéticas conhece, atualmente, uma pluralidade e diversidade incomuns.
Não se veja, desta forma, a aparente simplicidade formal e temática de Rui Almeida (1972 — ) como uma ligeireza ou capricho. Embora o autor não se considere «poeta» (o que levanta interrogações mais relevantes para os bibliotecários do que para a literatura), é autor de dois livros e de múltiplos trabalhos, presentes em diversas publicações literárias. A sua obra inaugural, «Lábio Cortado», recebeu o “Prémio Manuel Alegre 2008”. Rui Almeida é, ainda, um dos maiores divulgadores de poesia, nomeadamente em rede, sendo notável a recuperação de muitos autores que não ficaram estabelecidos nos cânones da consagração. O seu blogue, «Poesia distribuída na rua» http://ruialme.blogspot.pt/ é um fantástico repositório de larguíssimas centenas de poetas e poemas, que muitas vezes descobrimos, com surpresa, pela primeira vez.

coordenação artística MARTA LAPA
consultor literário MANUEL MARGARIDO
direção de produção MANUELA JORGE

Sessão 1 – 16 de Junho
autora convidada BEATRIZ HIERRO LOPES
na voz de LUÍS GASPAR

Sessão 2 – 21 de Julho
autora convidada CATARINA NUNES DE ALMEIDA
na voz de MARGARIDA GONÇALVES

Sessão 3 – 15 de Setembro
autora convidada MARIA SOUSA
na voz de TERESA TAVARES | WAGNER BORGES

Sessão 4 – 20 de Outubro
autor convidado MIGUEL-MANSO
na voz de JOÃO LAGARTO

Sessão 5 – 17 de Novembro
autor convidado RUI ALMEIDA
na voz de CECÍLIA LARANJEIRA | TOBIAS MONTEIRO

Sessão 6 – 15 de Dezembro
SESSÃO DE ENCERRAMENTO
poemas escolhidos pelo público

Produção ESCOLA DE MULHERES
Espaço Escola de Mulheres (Clube Estefânia)